sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Ode às gavetas dos talentosos jovens escritores portugueses

em tempos não há muito idos
(que o tempo é sempre relativo
e o tempo histórico o é também)
havia uma literatura de cordel
assim chamada porque os livros
(publicações é mais bem dito
podia ser fanzines: não é bem
pois nesse tempo não havia tal pastel)
vendiam-se dependurados numa guita.

seriam livros permitidos?
tinham um público cativo?
seriam lidos por gente de bem?
algo nos diz sobre isso a história cruel:
tentavam ser bem expressivos
mas não escaparam ao olvido
permanecendo o conceito porém.
e só por isso estão hoje no redondel
das frases que usamos: é uma que irrita

alguns literatos mais aflitos
e eles têm bom motivo
para lhe dedicar grande desdém
porque o seu trabalho literário é um tonel
cheio de muito bons serviços
à crónica falta de ouvido
que este bom povo português detém.
literatos com a literatura à flor da peles
ão virtuosos são muito subtis na escrita

imberbes mas já eruditos
o seu ardor é redivivo
é cada um mais hábil que ninguém
a expor as suas qualidades no papel.
mas depois acabam feridos
o lindo sonho destruído
não conseguindo publicar as cem
resmas de excelsa prosa. e destilam fel
porque são mesmo bons e ninguém os edita.

(eu cá não sou assim:
publico sempre a eito
lá num certo fanzine
que é um poezine
os meus fracos versinhos
tão doces quanto mel.
ai ai pobre de mim:
não me dou ao respeito
sou um dos coitadinhos
escritores de cordel).

(Agosto 2003)

publicado em Debaixo do Bulcão poezine
Número 26 - Almada, Junho 2004