Pérolas a porcos
eu já sou um errante: deambulo
por essas avenidas à boleia
dos sopetões da vida
e quase nunca encontro o que procuro.
tenho portanto uma vida bem cheia
de mágoa confundida
ou diremos então de vinho amargo
ou diremos então de um fero e largo
à tragédia poética serviço.
diremos tudo isso
que o mesmo é não dizer já quase nada.
também não é preciso
pois aquilo que sou já todos sabem:
aquele que bebe álcool ou que escreve
que escreve quando bebe
(só mesmo quando bebe)
que só sabe fazer bem asneirada
que anda endividado e que não paga
que leva tudo a sério e não conversa
que não tem namoradas
que não tem jeito para engatar gajas
que não tem jeito mesmo para nada
mas que ainda se atreve
mesmo àqueles a quem dinheiro deve
a pedir sempre a todos que lhe paguem
ainda mais um copo
já depois de ter bebido não pouco
(de resto não sabe fazer mais nada).
provado está que tão bem me conhecem
(e eu não os desdigo
pois é a maioria deste povo
e a maioria tem sempre razão)
não tenho então mais nada a acrescentar.
se não lhes posso dar o que merecem
tu lhes darás canção
o elogio ao deles grande umbigo:
vocês são mesmo bons! grandes artistas!
muito melhores que eu
que ando a procurar e que persigo
obter algo de bom algo de novo
e nunca tal consigo:
despisto-me sempre das minhas pistas.
não sou como vocês: ando a falhar
sou mesmo pouco astuto
sou um poço de inépcia devoluto.
às vezes ainda tento
mas falta-me o talento.
sou fraco sou palhaço sou ridículo
ando curvado tenho os olhos tortos
não me desembaraço
e tudo isto que faço
é como deitar pérolas a porcos.
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